15 | 06 | 20

Por: Ilana Pinsky

Sentimentos de falta de esperança, medo e angústia têm sido comuns durante esse período que estamos passando. Alguns de nós têm conseguido enfrentar essas dores com recursos internos já estabelecidos, estruturas de apoio social robustas e outras formas de suporte (tema para um próximo artigo).

No entanto, para outros de nós, essas sensações têm sido constantes e profundas o suficiente para se tornarem sintomas crônicos e precisarem de tratamento especializado. Mas será que psicoterapias conseguem realmente ajudar àqueles que têm “razão para estar deprimidos”?

Na década de 1980, quando a AIDS ainda era uma epidemia sem medicamentos eficazes e matava de maneira devastadora milhares de pessoas por ano, profissionais de saúde que tratavam os doentes começaram a se dar conta do impacto da condição na saúde mental dos pacientes (e de como a depressão afetava a condição deles).

Entre as intervenções utilizadas para lidar com a situação, estavam duas psicoterapias que já na época eram consideradas “baseadas em evidência” (submetidas a avaliação em ensaios clínicos bem delineados), e mostravam redução significativa de sintomas de depressão e ansiedade: a Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC) e a Terapia Interpessoal (TIP).

Até então, esses estudos não tinham sido feitos em indivíduos com condições como o HIV positivo. Dessa forma, investigações científicas importantes foram iniciadas no final dos anos 80, comparando a eficácia dessas duas estratégias em sintomas depressivos de doentes diagnosticados com AIDS. As pesquisas mostraram que embora as duas psicoterapias melhorassem a depressão, os que eram expostos à TIP demonstravam resultados superiores.

Por que isso aconteceu? A Terapia Cognitiva tem como seu principal fio condutor a desconstrução de crenças e concepções exageradas, sem esperança, que dão origem a sintomas depressivos. Por exemplo: seu filho tira duas notas abaixo da média em matemática e você começa a pensar que a criança nunca conseguirá aprender, que não terá futuro nesse mundo competitivo e que você fez algo de errado para isso acontecer com ele, o que a torna uma mãe péssima e incapaz (e deprimida!). A Terapia Cognitiva entraria justamente aí. A característica da TCC para ensinar maneiras de monitorar e destrinchar pensamentos, emoções irracionais e alteradas, a torna um tratamento altamente eficaz para uma enorme quantidade de situações.

Por outro lado, talvez a Terapia Cognitiva não seja a melhor estratégia terapêutica para quando os eventos de vida são extremamente reais.  Na situação da epidemia da AIDS, o pânico e a falta de esperança percebidos pelos pacientes derivavam de algo muito concreto, tangível e generalizado: a perda de grupos inteiros por conta de um vírus agressivo, pouco conhecido e transmissível ( além de tudo, carregado por um estigma enorme).

Como o próprio nome diz, a Terapia Interpessoal trabalha a formulação de problemas de uma perspectiva interpessoal, ou seja, dirigindo-se às dificuldades no relacionamento entre as pessoas que, por diversas razões, podem estimular o aparecimento ou manutenção de sentimentos de desesperança. O terapeuta e o paciente conversam para estabelecer a área mais importante a ser trabalhada entre as chamadas “quatro áreas problema”.

Uma dessas esferas é a chamada “transições de papéis”. Exemplos de situações relacionadas a essa área incluem um divórcio, descoberta de uma doença crônica ou a mudança de país. Mas, englobam também uma crise de saúde pública associada com mudanças práticas e existenciais em nossas vidas, como a que vivemos agora, onde a sensação de controle que tínhamos se foi. 

Na TIP, o profissional auxilia o paciente a conectar episódios depressivos com os eventos da sua vida e, desta forma, ajuda a fazer o luto de grandes mudanças e perturbações. Ao mesmo tempo, encoraja-o a encontrar, de maneira pragmática e otimista (mas não irrealista) novos objetivos.

Sem querer simplificar demais, auxilia-se no processo de aceitação e transição e no fato de que as coisas não serão mais como eram antes. É altamente terapêutico para os que sofrem receberem “autorização” para sentir sua angústia, aceitá-la (porque as coisas mudaram sim),  e desenvolver novas habilidades e maneiras de se relacionar para levar adiante a vida de forma diferente.

Diante de tudo isso, é importante ressaltar que depressão costuma exigir tratamento (muitas vezes, breve). E, não devemos vê-la como algo normal ou desconsiderá-la, mesmo passando por situações externas claramente difíceis – como a atual pandemia de COVID-19.

Ilana Pinsky é psicóloga clínica, com doutorado pela UNIFESP e pós-doutorado pela Robert Wood Johnson Medical School. Foi professora da Universidade de Columbia e é pesquisadora visitante da CUNY (City University of New York).  Contato: pinskyilana@gmail.com

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